ITINERÁRIO PARA PEREGRINOS ORBENLLE – PORRIÑO
PELO ENTORNO NATURAL DAS GÂNDARAS E RIO LOURO
1. APRESENTAÇÃO
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SEMPRE NO
CAMINHO
Os primeiros
trabalhos de investigação e identificação do antigo Caminho Português a
Santiago na Galiza, que realizamos durante os anos de 1992-93, não nos permitiram
salvar o alterado itinerário entre Orbenlle e O Porriño; o traçado histórico
(inegável) tinha sido ocupado pela maior Zona Industrial da Galiza e pela estrada
N-550, não havendo na época qualquer infra-estrutura que nos ajudasse a salvar
esta verdadeira “penitência”. O decorrer do tempo, e a construção de infra-estruturas
como o trajecto junto ao rio Louro, veio agora possibilitar apresentarmos este
novo itinerário que vem fazer justiça ao Caminho Português na sua primeira
etapa na Galiza. Desde logo, em todos os nossos trabalhos temo-nos ajustado no possível
aos itinerários históricos, porém: Que acontece quando “a história” é uma zona
industrial, uma concentração parcelaria, uma auto-estrada o um pântano? O
purismo histórico absoluto só pode ser reivindicado pelos que desconhecem em
absoluto o território e nunca dobraram as costas no “trabalho de campo”, porém nós sempre tivemos muito claro, já desde
do tempo de Valiña que cada época teve o seu Caminho, e no Séc. XXI os
peregrinos têm direito, como os seus antepassados, a ter os seus sus próprios
Caminhos de Peregrinação.
Apresentamos um
itinerário humilde, profundamente galego, que percorre um espaço natural único
incorporando, em alguns pontos, o antigo Camino Real entre Tui y Vigo. Não foi
fácil, num espaço rodeado por naves industriais e infra-estruturas de todo o
tipo (auto-estrada, via rápida, e linha de comboio...), porém quarenta por
cento do mesmo percorre velhos caminhos de terra rodeados de uma natureza esplêndida
e o traçado tem apenas uns quinhentos metros mais que o itinerário actual pelo Polígono
Industrial de As Gándaras e estrada N-550. Colocamos neste trabalho (realizado
de forma completamente altruísta por e para os caminhantes) esforço, paixão,
alma e sentimento; agora já não nos pertence, é vosso, dos peregrinos.
Queremos
agradecer expressamente a colaboração dos moradores e dos técnicos de Património
e do Xacobeo da Xunta de Galicia, que apoiaram e compreenderam desde a primeira
hora este projecto; a Luis Freixo por incorporar uma alternativa preparada
exclusivamente para deficientes e, consequentemente, expressar a memória especial
a quem desde a sua humilde atalaia de O Cebreiro, soube mostrar-nos o Caminho: para
Elías Valiña; vai este trabalho em agradecimento a tudo o que nos ensinou e semeou
para o futuro. Obrigado, Elías!
Nada mais, BOM
CAMINHO A TODOS, Ultreia e Sus eia!
Coordenação:
José Antonio de la Riera
Investigação,
documentação e trabalho de campo: José Antonio de la Riera, Manuel Garrido e
Luis Freixo.
Fotografias:
Manuel G. Vicente
Todos os
peregrinos e membros da AGACS.
2. JUSTIFICAÇÃO HISTÓRICA
a. Considerações prévias ao itinerário: uma primeira, e necessária, aproximação histórica.
Vejamos, ainda
que seja sucintamente, o que nos pode aportar uma aproximação a rede viária ao
largo dos séculos em relação ao Vale de Louriña. Se temos claro que um
condicionante determinante na plasmação da rede viária num território foram orografia
e os cursos fluviais, o grande corredor em que se integra o vale de Louriña (a
grande Depressão Meridiana, o eixo N/S Carballo-Tui), vem definir e clarificar
o que foi o trecho, da rede viária, entre Redondela y Tui. O grande vale está
circundado a Oeste e Este por montanhas rochosas de onde afluem riachos até ao
curso central do rio Louro gerando, também, fenómenos geográficos únicos como as
Gándaras de Budiño. Essa constante hidráulica produziu, ao longo dos séculos, contínuas
variantes em caminhos e trilhos porém, à vez, a grande fossa da Depressão
Meridiana permitiu sempre uma passagem livre pelo interior entre a Galiza do Norte
e o Sul. Não queremos de forma alguma aqui entrar em análises pormenorizadas das
vias romanas, só acrescentar brevemente que, a respeito a Via XIX do Itinerário
de Antonino, parece absolutamente claro (Caamaño Gesto, X.M: “Las vías romanas como antecedente y soporte
de los caminos de peregrinación de Portugal a Compostela”), no que respeita
ao valle de Louriña, que o seu passo seria: Tui, Orbenlle, O Porriño, Mos,
Saxamonde (Santiaguiño de Antas), Padrón-Quintela, Redondela. O miliário actual
que permanece junto de rota em Saxamonde (caso único de permanência), o
incompleto de Decenito em Quintela, mais o anepigráfico encontrado em
Tui-Rebordans, vem confirmar o dito.
A respeito das
vias medievais, o trabalho mais importante (o de Elisa Ferreira “Los Caminos Medievales de Galicia”,
Boletín Auriense, Anexo 9, Ourense 1988) assinala a saída de Tui pela
Corredoira para continuar pelas Gándaras de Budiño em paralelo ao rio Louro, informando
que uma doação de 1331 já indicava que a rota era «usada de homes, et de carros, et de bois». Na sua margem esquerda,
segundo a cartografia indicada pela própria Elisa Ferreira, desde Cerquido (e
com um desvio a San Salvador de Budiño) continuaria até Atios, Cans e Porriño.
Pela margem direita, e desde Ribadelouro, sairia outra via (que viria a
coincidir com o traçado do posterior Caminho Real), até Vigo por San Xurxo de
Mosende, Herbille, San Pedro de Cela, San Pedro de Zamanes Porto e Evade. E esta
variante foi, certamente, a utilizada pelos delegados de Xelmírez que levavam as
relíquias de São Frutuoso, São Silvestre, São Cucufate e Santa Susana (1102)
depois de ocorrido o “Pío Latrocinio de Relíquias” em Braga, que passaram pelo
desaparecido mosteiro de São Pedro de Cela em vez de faze-lo por Porriño e aí
esperaram a chegada do pontífice. Fundamental também a passagem pela Ponte das
Febres até Ribaledouro, célebre por ali ficar doente São Telmo, e não poder prosseguir
a sua peregrinação a Santiago, talvez em 1245. A este respeito diz o historiador tudense Ávila y Lacueva (Hª Civil y Eclesiástica de
la Ciudad de Tui y su Obispado, 1854): «[…]entonces
y después iba por aquel paraje el Camino del Apóstol, aunque hoy ya no es
vereda a causa de haberse poblado el Porriño, y hechose cerca de la Ciudad un
puente mejor sobre el Louro que no obstante de tener muchos años mantiene el
nombre de puente nuevo por ser nuevo en el sitio, pues antes no había allí
ninguno. Y desde su construcción se mudó por aquí el motivado camino[…]».
Desde Porriño o
caminho prosseguia por Amieiro Longo, Sanguiñeda, Castro, Mos, Rúa, Louredo, Os
Valos (ponte sobre o Louro), Padrón, Custoria, Quintela e Redondela. Diversos
foros e um documento do Coto de Cans reflectem a passagem por Las Gándaras.
Carlos Nárdiz (“El Territorio y los Caminos en Galicia”) também o detalha assim,
citando a própria Elisa Ferreira a importante encruzilhada que sempre foi
Porriño em relação com a sua comunicação com a Granxa Donicons, possessão do
mosteiro de Melón. Da continuidade do caminho medieval pelo vale do Louriña da boa
ideia o citado documento de Coto de Cans (1292) em relação à passagem por
Amiero Longo: «[...] e dessi por esse
carril contra o logar hu mora pero fanon, e dessi como se deçe ao porto de
Ameeyro Longo[...]»
Não é necessário
repetir aqui ou inútil entrar numa identificação absoluta entre vias romanas e
caminhos medievais num território, excepto na travessia de rios ou traçados muito
pontuais (neste caso todo o trajecto entre Mos – Rúa dos Cabaleiros-, Saxamonde
e Quintela-Padrón). Sobre os caminhos reais e a sua continuidade, tão
importantes à posteriori na identificação dos caminhos actuais, sobeja, basta
acrescentar a pequena contribuição da cartografia histórica até o século XIX: “Descripción del Reyno de Galicia”
(Fernando Ojea, Amberes 1598), “Gallaecia
Regnum” (1600), “Descriptio Galleciae
et Asturiae in Hispania” (1606), “Gallicia”
(1632), “Il Regno di Galicia”
(Cantelli da Vignola, 1696). É fundamentalmente, quando a cartografia começa a
basear-se em medições matemáticas e aplicando critérios de racionalidade,
quando aparece Domingo Fontán e a sua “Carta
Geométrica de Galicia” (1845), que certamente nos ajudará a desentranhar a
nebulosa dos caminhos no vale de Louriña
Uma aproximação
à literatura odepórica (ndt: relatos de peregrinos) proporciona-nos as primeiras
pistas do que logo desenvolveremos: em quase todos os relatos, e por depois de
uma descrição, quase sempre pormenorizada, da cidade de Tui, esmagadoramente
vamos encontrar citações expressas à vila de Redondela. Porriño o é ignorado, o
é citado anedoticamente como mero lugar de passagem. O mais explícito (na sua,
verdadeiramente, calamitosa viagem), numa das primeiras descrições, é de Frei Claude de Bronseval (“Peregrinatio Hispánica”, acabada em 1532): depois de chegar a
Redondela para seguir até Portugal escreve: «Volvimos
a partir siguiendo un sendero de montañas estériles y llegamos a la villa de
Porriño, donde comimos. Luego
la abandonamos. Por un gran valle, en medio de las montañas – algunas servían
de pasto para el ganado, otras estaban cubiertas de piedra- atravesando un
sendero bastante practicable llegamos a la ciudad de Tui».
Um dos relatos de peregrinação
mais pormenorizado (Giovanni Bauptista Confalonieri, 1594), limita-se a citar: «Porriño, villa pequeña, había feria». Nem
os relatores da grande peregrinação do grande duque Cosme de Medicis,
1669, (Filippo Corsini, Lorenzo
Megalotti, Giovanni Battista Gornia, Filippo Marchetti o Ciuti) nos acrescentam
grande coisa, limitando-se a indicar (Corsini) que o vale de Louriña está bem
cuidado e cultivado e aponta o cruzar das pequenas aldeias «Purrigno y Mos». O viageiro A. Jouvin chega a Tui (desde Santiago)
em 1664 (em 1672 foram publicados os oito tomos do seu livro de viagens) depois
de indicar: «Después encontramos
Redondela, pueblo a la entrada de una bahía y después Porriño y algunas aldeas
y cortijos, que son granjas, en una campiña rasa cubierta de desiertos hasta
Tui...». Nicola Albani, geralmente tão explícito, não contribuiu em demasia
salvo na alusão (durante a sua primeira peregrinação de 1743, já em direcção a
Lisboa desde Santiago) a um estranho hospital, “Lhuger”, que pode
ser equiparado ao estabelecido no Porriño
e onde diz ter sido mal tratado. Situa-o a cinco léguas de Redondela e sete de Tui. O
conde Alexandre de Laborde (1806) sim, aporta-nos notícias de interesse no percurso
entre Santiago, Vigo e Tui, no que respeita a algo que temos um especial
interesse em salientar: o caminho real entre Vigo e Tui, indicando que este era
«muy montañoso» podendo apenas ser transitado
a pé ou a cavalo. Esta notícia de Laborde é do máximo interesse já que é das poucas
que nos chegaram do Caminho Real entre Vigo e Tui, e de toda a importância para
tudo o que vamos aqui definir.
Poucas, e muito
parcas noticiais no que refere ao traçado nos relatos de viageiros e
peregrinos. A rede hospitalária de O Porriño, magnificamente estudada por Antón
Pombo dentro do trabalho para a empresa ICEACSA realizado por vários membros da
AGACS - Asociación Galega de Amigos do Camiño de Santiago (ICEACSA,
“Delimitación dos Camiños a Santiago dende Portugal”, 1995), ajuda-nos a
centrar a importância exacta desta histórica encruzilhada de Caminhos. Nesse,
sentido Pombo delimita, apesar da notável importância que sempre teve como
encruzilhada viária, que o núcleo populacional não se desenvolve até ao séc.
XVI, precisamente quando passa a ser jurisdição da Igreja de Tui e tem lugar o
mercado semanal de que já nos dá conta Confalonieri. O seu primeiro hospital é
documentado em 1569 (Ávila y Lacueva). Do seu funcionamento danos noticias,
precisamente nesse ano, o testamento de Alonso Arias de Saavedra que nos dá uma
ideia da humildade e precariedade dessa instituição, que foi muito afectada em
1665 após um ataque de tropas portuguesas. Em 1667, Xoán Alonso “Foxeomundo”,
contribui com uma fundação para a manutenção do hospital. O mesmo sucede com sua
esposa, Dominga Riba, que pela sai mandou construir a ermita de Nuestra Señora
da Guía, hoje à beira da N-550. Estes dados a respeito da acolhida jacobeia
ajudam-nos a desenhar e delimitar no tempo a realidade viária e jacobeia de
Porriño justamente antes de, passado o séc. XVI (onde ainda subsistiam as velhas
rotas medievais) surgiram os chamados Caminhos Reais.
b. O chamado Caminho Real por San Xurxo de Mosende: entre a lenda, hagiografia e a realidade do território.
No ano de 1547
o bispo de Tui, Bartolomé Molino, encarrega Juan de Guiñián, visitador geral do
bispado, que acuda ao lugar de Mosende onde se estavam a produzir estranhos
acontecimentos ao redor de um sepulcro, acontecimentos que falavam de milagres e
peregrinações em torno do mesmo e que, em função das suas pesquisas, apresentara
um informe urgente (Archivo catedral de Tui, cajón 32, num 18. F
Curia A.H.D). O bispo e o
seu visitador, estavam avisados já da presença de elementos protestantes nos
caminhos e, por outra parte, Trento tinha deixado muito claro quais eram os
extremos da ortodoxia. Assim que o bispo e, por seu meio, seu zeloso visitador
queriam saber em primeira mão em que extremos se moviam os estranhos acontecimentos
de Mosende. E nesse sentido, Guiñián interroga três testemunhas: Juan de
Morelos, pároco de Mosende, Dominga Pérez e Pedro González, vizinhos da paróquia.
A pesquisa dá um primeiro resultado unanime: ali estava enterrado um peregrino
que voltava de Santiago para Portugal e que morreu naquele lugar: «Preguntado si sabe o oyo decir quyen fuese
San Diego que dizen estar allí sepultado e donde hera natural y que oficio y
trato tenía. Dice
el dho testigo que el oyo decir como dho tiene a los dos viejos ancianos que
benyendo un hombre en abito de peregrino y romero por la hestrada y camino
rreal del Señor Santiago que en aquel tiempo hera por la misma heredad don esta
el dho sepulcro especialmente benyendo por la villa de Bigo para la ciudad de
Tuy, le diera la ora de la muerte y le hallaron muerto y que en unas
alforjuelas que traya le abian allado un papel escrito que dezìa ami me llaman
don Diego y soy Cristiano en donde me allaren muerto me hagan la sepultura y me
entierren». As
boas gentes de Mosende terminam a sua resposta ao visitador: «y ansì lo abian sepultado».
Nada mais se
disse acerca do sucesso, nem muito menos quando sucedeu, ainda que se declare
que o sepulcro é muito antigo, que já falavam dele os velhos, acrescentado
Pedro González que o sepulcro tinha mais de quinhentos anos. Na investigação anota-se
que os peregrinos e romeiros começaram a acudir ao lugar e a reverenciar “don
Diego” uns trinta ou quarenta anos antes. Da investigação de Juan de Griñián se
deduzem os últimos e mais sonhados milagres, dos que, ocorridos
nos últimos anos, os entrevistados manifestaram
ser testemunhos em primeira mão. O mais impactante sobreveio de Antonio Alonso,
vizinho e dono do terreno onde estava o sepulcro: fazendo trabalhos agrícolas, e
para ganhar espaço na sua propriedade, retira umas pedras que cobriam o
sepulcro. As consequências são imediatas: perde a fala, caminha a quatro patas e
nu, a pele enegrece e, para rematar, anda em solidão pelos
montes «ouveando» (uivando) e bebendo
compulsivamente dos regatos. Pode-se descrever melhor a licantropia?
Porém ai está nosso
Diego, transformado já em “don Diego”. Os vizinhos e a família saem em busca do infeliz e um deles
disse (Caxón 32 idem...): «¡ay antonio debías de andar regarabatando y quitado las piedras de la
sepultura de san Diego guarda no aga en ti milagros promete de reformar y
aderezar su sepultura». Encomendam o desventurado Alonso a Deus e a “don
Diego”, e aos poucos este sara inteiramente. Temos já um “santo” milagreiro, e além disso,
nada menos que curado de licantropias e recuperador de lobisomens. Assim que não
só este Camino mostra já reconhecidos pontífices como o próprio São Telmo (a quem
seus hagiógrafos atribuem a construção da ponte de A Ramallosa – vide, “Biografía Ascética de San Pedro González
Telmo”, Basilio González, Tui 1995, p.22-) mas podemos
acrescentar desavergonhadamente um verdadeiro druida curandeiro de um
dos grandes males do mundo do
celta: a licantropia. Não está, desde logo, nada mal
para uma rota especialmente sagrada (o Caminho de Santiago) que sempre se moveu
com mitos, e mito autêntico é, desde logo, o misterioso peregrino “Diego”.
David Pèrez
Rego, no seu esclarecedor trabalho: “Sobre a capela de San Diego de Mosende”
(um achado documental) ou de como don Diego de Mosende se converte em São Diego
de Alcalá”, acrescenta dados inacessíveis para o óbvio, e claramente intencional,
transformação de don Diego em “San Diego” e, aos poucos, a
deriva, sem vergonha, a sua identificação com São Diego de
Alcalá. E assim já em 13 de Novembro de 1740, dia de São Diego de Alcalà de
Henares, se fazia solene celebração litúrgica, segundo consta na escritura de
fundação da Cofradía de San Diego de Mosende. Diz Pérez Rego que, só passado um
ano das pesquisas de Juan de Griñián, em 1588, San Diego é canonizado por Sixto
V. E anota Pèrez Rego (op.cit.pg 7): «Que mellor que utilizar os milagres e a
sona do santo de Mosende para avivar e impulsar o culto dun santo español no
xusto momento en que este è canonizado, nun momento, en que, polo demàis, a
potenciación por medio dun pseudopoliteismo das figuras do santoral, tan
próximas a religiosidade popular, tense por optima para pechar as portas as
ideas protestantes que viñan do norte». Ainda, nada melhor que a assimilação
de don Diego com o santo de Alcalá, ao fim ao cabo santo franciscano, caridade, esmola, e viajante
compulsivo flagrantes poderes taumatúrgicas. Se encerra assim
o ciclo ao gosto de todos e assim, no primeiro domingo de Junho inúmeras
pessoas continuam a ir à pequena capela de Mosende para venerar o santo
peregrino.
Desta maneira
já temos un santo peregrino, e um verdadeiro mito, situado sobre um “Camino
Real” Porém... que Caminho Real era este? e, sobretudo: de que maneira
contribui para o novo itinerário de peregrinos que estamos a tentar reconstruir?
As perguntas não são, desde logo, triviais, mas as respostas não são muito
menos. Ernesto Iglesias Almeida, o grande investigador tudense, anota que entre
os caminhos que saiam de Tui para Redondela (“Caminos Portugueses a Santiago”,
Asociación Amigos de los Pazos, Vigo 1992, p.p 19 e 20) o que saia da cidade
tudense pelo arrabalde do Rollo, seguindo por A Senra, a Virxe do Camiño em
Rebordans, Ponte das Febres, Santa Columba de Ribadelouro, Capela de San Diego
(Mosende), Santiago de Pontellas e San Salvador de Torneiros. Aqui indica que, continuava
para San Pedro de Cela (antigo mosteiro) e Santiago de Bembibre (idem) para
entrar em Vigo o continuava, e desde esse ponto, desvia-se ao Porriño.
De nosso trabalho
de campo (com estudo completo e detalhado do território e as pesquisas orais correspondentes)
se segue o seguinte traçado do citado Caminho Real que relacionamos sucintamente
(ver apoio cartográfico): do calvário de Ribadelouro, e abandonando ali o
itinerário actual de peregrinação que se dirige nesse ponto até a ponte de
Orbenlle, segue-se ao lugar de Monte, já na paróquia porriñesa de Mosende, onde
se destaca a chamada “cruz de O Monte”. Outra alternativa, que cremos mais plausível,
seria o cruzamento da mencionada ponte de Orbenlle para continuar pela margem esquerdo
do Louro e repassa-lo em A Ponte Baranco (o itinerário que identificaremos para
peregrinos) para acompanha-lo logo até Monte. Desse lugar, e após percorrer uns
seiscentos metros sobre a estrada PO-342, o Caminho Real continua por uma pista
asfaltada até o barro de Madorras deixando atrás os chamados “cruceiros de O
Folón”. Ali encontra-se situada a capela de San Diego, rodeada por um campo de
feira, um bom lavadouro e nas proximidades Pazo de
Falcato (séc. XVII)
Poucos metros adiante,
com a rota penetrando na paróquia, encontramos o antigo
cruzeiro de A Ruela que saúda o viageiro desde o interior de uma propriedade contígua.
Até ele chegava a processão com San Diego até que, segundo informam os vizinhos,
foi trasladado para esse lugar ao crescer
o tráfico depois de se asfaltar o caminho.
O itinerário continua até a igreja paroquial de San Xurxo de Mosende para chegar
a Centeans, já na paróquia de Santiago de Pontellas. Um parque infantil flanqueia
o itinerário que vai introduzindo-se numa suave descida por Centeans.
Já na
encruzilhada em que se assenta o soberbo cruzeiro de Centeans (onde se recebe o
itinerário que vem da Ponte Baranco), a rota gira para o imediato e afamado
campo de festas de San Campio, com a sua grande e peculiar “Cruceiro Esmoleiro”
e a capela dedicada ao santo. Cercando o campo de festa, em cuja parte
posterior se encontra a peculiar “Quinta do Adro” ou “Quinta da Inquisición”
para, na ascensão, chegar até a igreja paroquial de Santiago de Pontellas. Do
templo paroquial, e em direcção ao próximo barro de Abelenda, se deixam para trás
os lugares de Outeiro e Pousadelas. É em Abelenda, onde se alcança a Capela de
San Paio, o ponto onde o caminho continua em direcção a Vigo (San Pedro de Cela
y Bembrive) enquanto um ramal segue até para Porriño seguindo a estrada que leva
a San Salvador de Torneiros deixando atrás cruzeiros como o de Os Matos. Antes
de entrar no Porriño seguindo a PO-331 observamos junto da rota outro cruzeiro,
o de O Cristo do Celeiro. Todo este itinerário do denominado “Camino Real” discorre por estradas pavimentadas descrevendo um grande arco
para alcançar Porriño, no pressuposto de que este era o
objectivo. Desde Orbenlle, tem mais os sete quilómetros
do itinerário actual.
Bem, temos já
identificado um “Caminho Real”, porém: É um Caminho Real Tui-Porriño? Rotundamente,
não! E esse "não" não é apenas dedução
extraída de um processo simples bom senso de cartografar e observar o louco zig-zag
e diferença em relação a um itinerário alegadamente “directo” ao
Porriño. Podemos garantir que todos os que desde um gabinete têm
falado desse “Camino Real Porriñés”, nunca vieram ao itinerário, nem
observaram as profundas transformações sofridas no território, e muito menos o percorreram
com uma mochila de dez quilos as costas. O que existiu e continua a existir, mesmo completamente espezinhado por estradas de asfalto de todos os tipos
e condições, é um Caminho Real a Vigo, que continuando o
caminho medieval estudado por Elisa Ferreira (já citado aqui anteriormente) foi
suplementado pelo traçado desse “Caminho Real” (com muitos pontos de coincidência,
quando não com uma coincidência plena). Sim temos em conta as pesquisas do
visitador de Tui, os inquiridos, moradores do lugar, falam que a passagem do
santo peregrino, segundo diziam os mais velhos, tinha acontecido muito tempo
antes com disse um eles (Pedro González) que tinha mais de quinhentos anos, transportando-nos
ao séc. XI, a um pleno caminho medieval que precisamente, naquele tempo era a «hestrada y camino rreal del Señor Santiago»
e deixando, também, muito claro «especialmente
benyendo por la villa de Bigo para la ciudad de Tui». O documento deixa
pois categoricamente diáfana a existência de um caminho medieval entre Tui e Vigo
(Bembrive), que mais tarde foi caminho real (também entre Tui e Vigo).
Um dos máximos defensores
deste Caminho Real (e que o indicou como um dos possíveis itinerários jacobeos do Caminho Português
Central, Tui-Porriño) Ernesto Iglesias Almeida, não tem mais remédio que
admitir (Ernesto Iglesias Almeida, op.cit.,p.20) que «Desde este lugar (capilla de San Diego) seguía el camino por Santiago
de Pontellas y llegando a San Salvador de Torneiros iban hacia Porriño o bien
seguir hacia San Pedro de Cela, en donde existía un antiguo monasterio entrando
en Vigo por la parroquia de Santiago de Bembrive donde también existía otro
antiguo monasterio» (sic)
Porque se não
estivesse claro, Pascual Madoz (“Hª de todos los pueblos de España, Censo,
Padrón y datos de 1845”), ao estudar a paroquia de San Jorge de Mosende, afirma
rotundamente: «Atraviesa esta
parroquia el antiguo camino de Tuy a
Vigo», depois de indicar que «por el
lado sur hay una ermita dedicada a San Diego”. Já vimos também, quando citamos a literatura
odepórica no que interessa a estes tramos, como o conde de Laborde (1804) que se
dirige a Tui desde Vigo através de un caminho montanhoso. O enorme curva de desvio
para alcançar Porriño, com quase sete quilómetros mais do que sobre o itinerário
actual, vem a confirmar o que argumentamos: nunca foi um Caminho directo a Porriño,
era-o a Vigo. E, certamente, pode ter sido utilizado em épocas de inundação em
As Gándaras como rota de apoio ou “de inverno” porém nunca como rota principal.
c. Caminos históricos, territorio y peregrinación jacobea en el siglo XXI
Então, qual era o histórico
Camino Tui-Porrino? A resposta para nós era
evidente já na nossa primeira identificação de 1992-1993 e segue sendo agora: o
traçado histórico correspondia com o actualmente sinalizado no vale do Louriña
seguindo a margem esquerdo do Louro. O que ocorre é que o dito traçado encontra-se
sepultado pelo maior polígono industrial da Galiza, uma grande auto-estrada e a
estrada N-550 que, por Atios, leva a rota até Porriño.
É a antiga rota
medieval indicada por Elisa Ferreira que, desde O Cerquido, ia até Atios, Coto
de Cans, a encruzilhada do Porriño e Amieiro Longo, ratificada também por Avila
e Lacueva. É, precisamente em Atios e a beira do caminho de Tui, onde Xoán
Alonso “Foxeomundo” fez construir as custas da sua devoção a ermita de Nossa
Sra. da Guía, hoje em plena estrada N-550. O omnipresente Pascual Madoz também
indica a sobrevivência deste caminho como rota principal Tui-Porriño, não sem assinalar
que, a altura de Atios, o estado da rota era calamitoso e não podia deixar de ser
considerado como “vereda” (o que torna extensível do resto do caminho de Mós). Mas é já mais
científico e aprovado no Mapa Geométrico de Galicia
de Domingo Fontán (1845) que não deixa lugar para dúvidas, indicando a via
directa que temos vindo a indicar para Tui e do referido Camino Real de Vigo
com o seu correspondente "desvio" para Porriño.
Bom, com estas
abordagens devemos retornar à introdução geral deste trabalho de recuperação. E dentro dela, as
perguntas fundamentais: porquê e para quem são estas rotas recuperadas no século XXI? Tem
existido ao longo dos séculos um
único caminho de peregrinação ou,
o que é o mesmo? A nível geral a
rota do século XII, foi a mesma do séc. XVI,
XIX? Não é verdade que cada
época teve o seu “Camino”? Procuramos, também, a plena historicidade, sim, mas...
O que acontece quando a “história” fica reduzida a uma zona industrial, um
pântano, uma auto-estrada, uma concentração parcelária, ou a uma rede de comboio
de alta velocidade? que Caminho, que itinerário podemos oferecer aos peregrinos
do séc. XXI?
Certamente, e
já desde os tempos de Elías Valiña, desde as associações jacobeas e mais
concretamente desde a AGACS, na Galiza, directos colaboradores e sucessores do falecido
pároco de O Cebreiro, têm sido muito claro: os caminhos actuais de peregrinação
não são outra coisa que uma abstracção histórica sobre a realidade objectiva de
um território o que nós levou a um conceito clarificador: os actuais itinerários
de peregrinação não são outra coisa que um processo incontestável de sentido
comum aplicado a um território concreto que foi levado a uma transição (ou a um
compromisso) entre o ideal do mais purista a essa realidade objectiva que é o
território. Todo ele deu um fruto: “o Caminho possível”. E esse “Caminho do possível”,
essa transição entre a realidade do território, a história, os actuais ideais e
as preferências dos peregrinos, foi o que nos levou a apresentar este novo
itinerário.
3. ITINERÁRIO
Fonte AGACS |
AGACS |
AGACS |
AGACS |
AGACS |
4. PATRIMÓNIO
a. Sobre o próprio Itinerário
- “Passos de inverno” de Baranco e O Folón. O primeiro é realmente espectacular, com quase cem metros de longitude sobre o caminho. O segundo, também conhecido como “passos de Botate”, com muito boa obra de pedra. Ambos com passagem adequada para bicicletas.
- Cruz de Mortos de Centeáns.- Situada na margem direita do caminho, guarda a entrada de Centeáns. Os moradores indicam a sua grande antiguidade.
- Cruceiro de Centeáns. Na encruzilhada do Caminho Real. É o mais belo e antigo de todo Concello. (ver reportagem fotográfica)
- Cruceiro Esmoleiro de San Campio.- De gigantescas proporções (mais de quatro metros) e com “peto” para as esmolas, preside o grande campo de festas. Na sua base reza a inscrição: «Por ofrenda de D. Manuel Roris, natural de Mosende 1897»
- Campo de Fiestas de San Campio.- Amplíssima esplanada ajardinada e esmeradamente cuidada onde se celebra o terceiro domingo de Julho as festas de San Campio, reunindo as gentes de toda a Galiza Sul. Nele se encuentra:
- A Capela de San Campio.- A pequena capela, construída em 1886, foi reformada e ampliada em 1917 com a contribuição dos filos da paroquia de Santiago de Pontellas emigrados no Brasil. Nela se encontra a imagem do santo; o dia da festa, uma curiosa tradição faz com que se recolha o suor da imagem com um pano para aplicar aos que mais padecem da coluna e reumático.
- A Quinta do Adro ou “Quinta da Inquisición”. Este misterioso edifício, situado atras da capela do santo, reúne todo tipo de lendas e rumores na comarca. Desde logo, o escudo inquisitorial colocado sobre o portões e impressiona a enorme cortina dianteira rematada em pináculos do paço. Foi levantada em 1479 e entre seus moradores figura Joseph Antonio de Santander, notário da Inquisição na comarca.
b. Na proximidade adjacente ao itinerário
- · Capela de San Diego.- Construída sobre o lugar em que caiu morto o misterioso peregrino “Diego”, mais tarde “san Diego”, no lugar de Falcato (paroquia de San Xurxo de Mosende). Trata-se de uma pequena edificação de carácter eminentemente popular e sem grande mérito artístico, sendo todo o edifício extremadamente simples, sem sacristia, já que só se celebra missa uma vez ao ano. No dintel da porta figura a seguinte inscrição: «ESTA OBRA SE REE-FICOSE A COSTA- LOS VECINOS I COFRADÍAS I DEVOTOS. ABAD D HI R EST AÑO-1756». Segundo David Pérez Rego (op.cit.) a capela foi com toda a certeza reconstruida sobre outra anterior edificada em época indeterminada (entre os anos 1587 e 1740) sobre o lugar donde foi o sepulcro de don Diego. Nas cercanias encontra-se “A Casa das Novenas”, hoje ocupada pela comissão de festas, e um bom lavadeiro público de pedra. Tanto na obra da capela como na da Casa das Novenas teve importância fundamental a “Cofradía de San Diego”, em cuja constituição (1740) se diz que a citada confraria se cria porque «muchos desean se aga Cofradía al Milagroso Sancto para la redificación y mayor desencia de su Hermita». No seu interior, além da imagem de san Diego, conserva um pitoresco e ingénuo Santiago Mata-Mouros.
- Igreja Paroquial de San Xurxo de Mosende.- Esplendido exemplo do barroco, acabado em 1794. Destaca a Via Crucis que a rodeia, de catorze cruzes, donde sobressaí as “Alminhas” de Madorras.
- Cruzeiros no Caminho Real. - Ao largo de toda a paróquia de San Xurxo pode-se observar distintos cruzeiros de clara raiz popular: Adro, Falcato, Barbeito, Ruela y Folón; o cruzeiro de Ruela, hoje numa propriedade particular, era o eixo sobre o qual girava a procissão de san Diego na sua festividade.
- Solar de Cadaval.- Localizado na freguesia de Santiago de Pontellas e fundado no séc. XIV por Vasco González de Cadaval, trata-se de um magnífico edifício que foi destruído por Pedro Álvarez de Soutomaior, Pedro Madruga. Dispunha de duas torres com um bom conjunta de almeias e abundantes troneiras, e foi reconstruido em 1842 conservando uma das suas torres.
- Igreja Paroquial de Santiago de Pontellas. - Templo de enorme simplicidade construído entre os anos 1774-1776 e, muito provavelmente, obra do mesmo arquitecto que elevou a igreja de Santa Baia em Atios, com o que guarda enorme semelhança. Com toda a segurança, trata-se de uma construção edificada sobre outra muito mais antiga.
Track gpx?? parece que as marcações não estão grande coisa...
ResponderEliminarTrack gpx?? parece que as marcações não estão grande coisa...
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